Quando falamos de alergias todos pensamos em espirros, nariz a pingar, olhos vermelhos, tosse e comichão na pele. De facto, estas são algumas das manifestações mais frequentes e incómodas da reacção alérgica, reacção esta que é uma das consequências possíveis do funcionamento do nosso Sistema Imunológico - precisamente o sistema de células que nos defende dos numerosos micróbios e substâncias presentes nos alimentos que comemos, no ar que respiramos e naquilo em que tocamos. Essas substâncias (a que chamamos antigénios) são identificadas como estranhas ao nosso organismo pelo Sistema Imunológico, através de proteínas especiais que circulam no sangue e em todos os líquidos orgânicos - os anticorpos - ajudando a captar e eliminar os antigénios "invasores". Há cerca de 30 anos descobriu-se que as pessoas com alergia produzem um anticorpo especial - a imunoglobulina E (IgE) - e fazem-no para substâncias inofensivas, relativamente banais no ambiente: os alergénios (p. ex. pólens de plantas, componentes do pó da casa, alimentos como o leite ou os ovos). Uma vez produzida, esta IgE liga-se a células especiais (mastócitos) muito abundantes na pele e nas mucosas (o revestimento do aparelho respiratório e do tubo digestivo) "à espera" do seu alergénio.
Quando o encontram, provocam a libertação imediata e explosiva de substâncias químicas dos mastócitos que provocam rapidamente (15 a 30 minutos) uma intensa inflamação e que origina os sintomas da alergia. Se a exposição a esse alergénio é intensa e muito prolongada essa inflamação, e a doença alérgica, pode tornar-se crónica e persistente (Quadro). A razão pela qual algumas substâncias desencadeiam alergias e porque é que não o fazem em todas as pessoas não é ainda muito claro, mas a história de outras alergias na família (a chamada atopia) parece ser o principal factor predisponente. Possivelmente, a resposta estará nalguns genes que passam de pais para filhos e nalgumas condições do ambiente que favorecem a "proliferação" dos alergénios.
As alergias têm vindo a aumentar nas últimas décadas do século XX e actualmente, na Europa, cerca de 8 a 10% da população (mais de 24 milhões de pessoas) sofre de asma, sendo a rinite alérgica ainda mais frequente - 10 a 15% da população (mais de 35 milhões de europeus!). Em Portugal os estudos mais recentes demonstram que cerca de 11% das crianças entre os 6 e 14 anos e 5% dos adultos, sofrem de asma (i.e. pelos menos 500 mil portugueses) sendo o panorama da rinite igualmente pouco animador: 10% da população que acorreu aos Centros de Saúde no ano de 1998. A razão do aumento das doenças alérgicas, nomeadamente na população ocidental, com um nível sócio-económico relativamente desenvolvido, não está ainda esclarecido mas vários dados parecem apontar para o ambiente e para o estilo de vida "ocidental".
A diminuição das infecções na primeira infância, pelo seu melhor controlo (vacinação, antibióticos) e melhores condições sanitárias, poderá fazer com que o Sistema Imunológico, menos "ocupado" com os micróbios e parasitas, se "volte" para os alergénios ambienciais que, à partida, seriam inofensivos para o indivíduo. Além disso, condições derivadas de um ambiente doméstico cada vez mais hermético (as crianças passam 90% do seu tempo dentro de portas!) e da alimentação (determinados ácidos gordos, conservantes e antibióticos que diminuem os micróbios normais do intestino) poderão também estar envolvidos.
A doença alérgica é uma teia complexa de células e substâncias químicas que envolvem vários órgãos do nosso corpo, frequentemente durante longos anos, e para a qual não há ainda um tratamento ou medicamento isolado, apesar dos grandes avanços que se fizeram no conhecimento e tratamento destas doenças. No entanto, o tratamento deve ser iniciado o mais precocemente possível. O controlo eficaz da alergia implica a combinação de várias medidas:
a identificação do(s) alergénio(s) envolvidos, minimizando o mais possível a exposição a estes, o uso combinado de diferentes medicamentos para diminuir os sintomas e, sobretudo, a inflamação crónica da alergia e, sempre que possível, utilizando-os localmente, junto do órgão que está mais envolvido (pulmões, nariz, pele, olhos). A imunoterapia, também conhecida como vacinas para a alergia, poderá estar indicada para modificar o comportamento do Sistema Imunológico, diminuindo a reacção ao contacto com o alergénio, particularmente quando o doente está sensibilizado a um grupo limitado de alergénios, de eliminação difícil, e quando as medidas inicialmente adoptadas não estão a ser suficientes para controlar a doença.
Dada a complexidade da "gestão" clínica destas doenças há médicos particularmente habilitados para o diagnóstico e tratamento das doenças alérgicas - os especialistas em alergologia e imunologia clínica ou imunoalergologistas.